Comecemos com um pecadilho jornalístico: uma pergunta. Afinal, o que é este tal de rock gaúcho? E já de início precisaremos juntar os cacos para achar as respostas. No caso do rock gaúcho, juntar os cacos é muito mais que uma figura de linguagem, mas uma expressão que deve ser levada ao pé da letra. Pois como explicar uma coisa tão fragmentária? Algo que vai do rock básico – praticado tanto pelos (então) garotos do TNT quanto pelos veteranos da Bandaliera, orgulhosos de sua herança do IAPI, via Bixo da Seda – até os ensaios progressivo-fusion de bandas como Raiz de Pedra e Cheiro de Vida. E eis aí outra questão saltando do texto: como explicar o IAPI, um bairro operário de Porto Alegre, de onde saíram Elis Regina e Bixo da Seda? E em meio a tudo isso existe o punk dos Replicantes e o pop sofisticado de Júlio Reny. E o trabalho de Duca Leindecker, à frente da Cidadão Quem, legítimo, ainda que aparentemente improvável, herdeiro do grão-mestre Fughetti Luz que deu voz ao Liverpool e ao já citado Bixo da Seda. Agora, parece que estamos chegando perto de uma resposta possível, pois não existe rock gaúcho! Existem, sim, vários rocks gaúchos. Assim como a Bahia de Todos os Santos, que, dizia Vinícius de Morais, são tantos, o fragmentário rock gaúcho também se reparte em muitos, acabando por se tornar onipresente. E, a um só tempo, democrático. A convivência entre grupos das mais variadas tendências é saudável e revigorante (ainda que, eventualmente, saiam algumas faíscas dessas relações). Talvez por isso também tenha sido possível a todos esses rocks gaúchos ocupar os mais diferentes espaços. Multifacetado, fragmentário, por vezes espasmódico, o rock gaúcho se espalhou não só por teatros (Carlinhos Hartlieb e suas memoráveis Rodas de Som no Teatro de Arena, as noitadas do Clube de Cultura), mas também por seu habitat mais natural: os bares. Porto de Elis, Ocidente, B-52, Taj Mahal, 433 (depois Estação Zero), Vórtex, Rola Rock e, claro, o inesquecível Rocket, do Mutuca, lá no Menino Deus, dando novo início a tudo no raiar dos anos 80. Esses nomes de lugares, assim como os nomes das bandas e artistas que escreveram a história (ou as muitas histórias) de todos os rocks gaúchos, estão ligados de maneira indelével à evolução do rock no Sul. Tanto quanto todas as muitas bandas que foram, continuam sendo ou estão começando a ser, esses lugares foram e são sinônimos de rock.
Desde o antigo Teatro Leopoldina (depois Teatro da Ospa), templo da cultura porto-alegrense nos anos 60, “assaltado” pelo Liverpool em 1969, até os dias de hoje, com as guitarras invadindo o Theatro São Pedro, todo esse rock rendeu, além de inúmeras e literalmente antológicas canções, imagens igualmente dignas de serem eternizadas em um livro.
JIMI JOE
Porto Alegre
Verão/2004